Viajantes

 
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Viajem ao Pará  - Ddijane de Oliveira

 

Soteropolitana, acostuma a toda poesia que o sol demonstra no final da tarde quando se põe no mar, fiquei extasiada ao vê-lo se despedindo com seus reflexos no rio Guamá em Belém, no estado do Pará. Tanta beleza me fez querer saudar Oxum, rainha das águas doces, mas a lama na qual meus pés mergulharam me fez lembrar Nanã a orixá que representa a riqueza, fecundidade e morte em si. E são estes três elementos que ficam mais fortes em minha memória quando penso no que vi no Pará.

Não viajei como pesquisadora. Conheço muito pouco a história e geografia da área. Meu relato aqui é apenas o de alguém que com olhos curiosos ficou impressionada com a beleza encontrada naquela região do norte do país. Um espaço tão explorado em sua abundância natural e que permanece magnificamente lindo, revela riquezas que são indissociáveis da sua fecundidade, mesmo perante a morte que lhe é imposta pelos capitalistas que extraem sua madeira e seus minérios de maneira desregrada, muitas vezes com o aval das autoridades, deixando de levar em conta a sobrevivência das florestas ou a áreas necessárias para a manutenção da cultura indígena.

A chuva que cai todas as tardes em Belém parece trazer mensagens de renovação da vida todos os dias, os trovões e relâmpagos que a acompanha, porém, nos adverte quanto a força que a natureza possui. Natureza que está presente em quase tudo de belo que há na cidade, a começar pelos peixes frescos que chegam à baía do Guamá e que são vendidos próximos às suas margens, no mercado Ver o Peso, ponto turístico da cidade, onde também são encontrados objetos indenitários da cultura paraense. Refiro-me aos instrumentos musicais, feitos de madeira, brincos e colares feitos de capim, penas ou sementes de árvores típicas da região. Além de outras coisas que turista adora comprar como lembrança de viagem.

O patrimônio material conservado através de construções antigas, como casarões, monumentos e igrejas, permite ao mais desatento observador concluir que há uma história de vários séculos de colonização que infligiu a convivência de elementos europeus com a paisagem local. Entretanto, o patrimônio intangível presente na linguagem, na rotina e mesmo no fenótipo dos belenenses, permite remontar a história daquela cidade a muito antes da presença do estrangeiro usurpador. O entrelaçamento das culturas indígena e europeia resultou no que encontramos hoje em Belém do Pará, um povo culturalmente ligado a natureza, em grande parte adeptos da fé católica.

Uma das coisas que mais me chamou atenção em Belém foi o traço físico das pessoas, a maioria delas me lembrou dos índios que eu conheci pelos livros didáticos, rosto largo, olhos esticados. Fiquei muito surpresa quando indaguei ao cobrador do ônibus sobre sua ascendência indígena e ele negou, comecei então a perguntar a alguns estudantes de pedagogia da Universidade Federal do Pará, aos vendedores de comida do mercado Ver o Peso e a outras pessoas com as quais eu mantive contato, com apenas uma exceção disseram que não tinham conhecimento de ter índios na família a não ser que esta ascendência fosse de origem muito remota. Não posso me furtar a dizer que conheci um índio, a exceção a que me referi anteriormente, um estudante de pedagogia que me deixou emocionada ao declarar que se sentia excluído da maneira como a educação era organizada em sua universidade. Segundo ele, repetindo currículos de outros cantos do país sem levar em conta a especificidade da região, ou seja, a presença do índio. Moradora da cidade de Salvador, na Bahia, onde a ascendência africana é tema das músicas populares e onde a negritude é assumida nos cabelos Black Power, nos turbantes e na indumentária, fiquei confusa com a negação do povo de Belém em relação a identidade indígena.

Após refleti um pouco percebi que na Bahia nem sempre foi assim, a valorização da estética negra levou muito tempo sendo objeto de luta do movimento negro e ainda hoje é necessário que existam medidas legais para que a cultura, estética e mesmo a presença negra seja respeitada em algumas ocasiões e locais de Salvador. Pensar no caso da identidade indígena talvez seja ainda mais complicado, porque o índio por reconhecimento histórico e por necessidade cultural necessita/exige terras para seu povo viver. Não é por acaso que Portugal mesmo sendo um Estado Nacional, pela época da invasão do território americano, concedeu autonomia a igreja para catequisar a gente nativa da sua colônia, a descaracterização da cultura, ou para quem preferir, a reconfiguração da cultura do índio serviu durante a colonização e serve ainda hoje aos planos dos exploradores da terra que é sem duvida onde está a riqueza mais cobiçada daquela região.   

A visita a Belém do Pará foi muito rápida. Menos de uma semana não me permitiu conhecer as crenças, a rotina e alguns locais de memória, mas foi o suficiente para me deixar encantada pelo lugar e com vontade de voltar, especialmente para conhecer o Círio de Nazaré, manifestação de fé popular mencionada por vários paraenses entusiasticamente para mim. Voltei de Belém sentindo mais orgulho em ser brasileira e entendendo melhor agora o ditado popular que afirma ser “Deus brasileiro”. Minha cabeça baiana viu a força da deusa Nanã por toda parte, parecendo anunciar que apesar da morte imposta todos os dias pela usura do capitalismo àquele estado, a natureza tem concedido a cada dia uma nova chance de manutenção da riqueza com a benção da sua fecundidade.